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24/03/2012

Artigo – Café amargo dá dor de barriga

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Nunca fui aquele admirador assíduo de programas de televisão, talvez por nunca ter tido tempo ocioso. Desde moleque jogado no trabalho para ajudar nas despesas de casa. Agora que me aposentei , tento adaptar-me a este insignificante robe. Todas as segundas, no horário de sete as oito, acontece um programa intitulado “Café com o Presidente”. Foi o único que despertou minha atenção. Até sonhava em estar com o presidente para fazer algumas perguntinhas que o povo com certeza sempre desejou.

Num belo dia, minha esposa saiu aos berros sala adentro feito louca, dizendo que fui sorteado a participar do quadro. Satisfação e entusiasmo transbordavam em meu peito. Até que as perguntas eram fáceis e já as tinha em mente, mesmo se não tivesse, bastava sair um pouco e sentar nos bancos das praças e ouvir as opiniões do povo.

Recebi um convite formal, indicando o local e o horário da gravação. Ainda de antemão, veio assinado pelo próprio excelentíssimo.

Como nunca fui um homem vaidoso, e nem tinha condições para tal, neste dia tive uma crise de pudor e até gravata coloquei. Cheguei cedo. E o poderoso pontualmente às sete. Circundado de seu exército de segurança. Será que gastaria tanto para responder simples perguntas? Pensei com meus botões.
A farta mesa já disposta. E eu como todo brasileiro, que só vê comida assim em novela, não sabia a quem dava atenção. Notando isso, o excelentíssimo tomou a iniciativa:

- Estou muito satisfeito de receber a ilustre presença de mais um trabalhador brasileiro. Seja bem vindo! E qual a sua pergunta?
Meio receoso, retirei um embolado de papel do bolso. Por segurança anotei as perguntas.

- Bom dia Senhor! Na verdade são apenas três perguntinhas simples que o povo lá de Minas quer saber.

- Pois não caro amigo mineiro! Aliás, quero mandar um forte abraço a todos da minha extimada Minas Gerais.

- Pois bem. Quem estipula o valor do salário mínimo?
O presidente seguramente respondeu no ato:

- Ora meu caro! Existe uma assembleia composta de ministros e senadores que julgam e aprovam.

- E quanto é o salário desses ministros e senadores?

O presidente ajeitou-se na cadeira e um pouco constrangido perguntou-me o motivo que queria saber isso.

- Prezado presidente. Respondo-lhe com uma pergunta: Por acaso você já foi ao médico para obturar um molar? Ou ao dentista para engessar um membro fraturado?

As pessoas ali presentes se olhavam boquiabertos. De certo achavam que deixaram um louco entrar. Mas o presidente mesmo inquieto na cadeira e mexendo na gravata sem parar, prosseguiu:

- Lógico que não.

- Por que? Indaguei.

- Ora amigo! Porque não conhecem tal situação e não tem condições para executar tal tarefa.

- Então! Por que colocam ministros que ganham tanto para estipularem um salário que não sabem se dá para o povo sobreviver? Confesso que se fosse para fazer uma compra básica até que daria. Mas, infelizmente, esqueceram na hora de estipularem o tal salário, de colocarem os impostos básicos. Pois, seguramente, acham que todos os brasileiros já têm casa própria. Sem falar da educação, da saúde…

Num ímpeto o presidente deu um pulo da cadeira feliz:

- Ah! Caro amigo você não está bem informado. Em todo país está distribuído milhões de farmácias populares para atenderem as necessidades do meu povo, inclusive em Minas Gerais.

- Uai sô! Nesse ponto o senhor está coberto de razão. Disse-lhe fitando de soslaio.

- Não disse que concordaria comigo? – sorriu o presidente

- Atender eles atendem, o problema é que não existe remédio algum. De primeiro, uma aspirina, um xarope ainda tinha. Agora nem melhoral infantil tem.

O presidente já pingava de suor. Sua gravata estava quase na cintura.

- O senhor está sentindo alguma coisa? Perguntei.

- Não, não, não. Só calor.

- Com todo respeito. Por que não coloca alguém que ganhe um salário mínimo para representar o povo nesta parte? Ajudaria muito.

- Huum!! O café ta meio amargo hoje! – sussurrou o presidente.

- Vou adoçá-lo excelentíssimo! Falou a empregada imediatamente.

- Não! Não precisa. Eu mesmo vou. Preciso ir ao banheiro.

- Rapaz dê-me um minuto. – O tempo passava. E eu apostava que ele tinha dito que voltava em um minuto e não em uma hora. Mas fazer o quê, para quem fica a noite toda na fila para marcar consulta, uma hora é fichinha.

Depois de uma hora redonda, sai o excelentíssimo já recomposto, todo sorridente, com uma fisionomia de alívio:

- Meu rapaz, infelizmente nosso tempo se esgotou. Mas, agendaremos um novo encontro para terminarmos a conversa. Tenho um compromisso nos Estados Unidos. Tchau!

Olhei para o relógio, já eram oito e dez. Afirmo que não fiquei nem um pouco chateado de não terminar de fazer minhas perguntas nem de o programa não ter ido ao ar. Mas saí de lá coçando a cabeça com uma dúvida:

- Será que café amargo dá mesmo dor de barriga?

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